Um processo inédito
Não sei precisar ao certo quando surgiu o desejo do grupo em montar um trabalho voltado para
público infantil. Até pouco tempo atrás, a história do Cubo Cênico era feita de trabalhos para público
adulto, performances, instalações cênicas, desenvolvimento de dramaturgia própria e por aà afora.
Num dado momento, decidimos que era esse o nosso próximo passo, enviamos uma proposta de
trabalho para o Projeto Ademar Guerra e... Nossa proposta foi aceita. E agora?
Entre uma reunião preparatória e o acerto da vinda de um orientador, houve minha ausência pela
viagem a Portugal, que já estava fechada antes do aceite do Projeto Ademar Guerra. Nesse meio
tempo, havia uma ideia de montagem: Lili. Para ser feito com duas atrizes, Thais e Ellen. Essa ideia foi
se modificando nos primeiros encontros e, quando o Rick, nosso orientador finalmente chegou, havia
um processo confuso. Saudável (com relação às dúvidas) mas confuso. Enquanto Thais e Ellen
tentavam explicar para o Rick a razão de ser da proposta de trabalho, eu estava em Portugal e pouco,
ou quase nada, podia fazer.
Quando retornei, a crise estava instalada. Como crises são sempre bem-vindas, propus a evolução da
proposta inicial. Já havia aqui, a necessidade de uso de técnicas de sombras, inclusive pela
experiência acumulada em trabalhos anteriores com a Cia. Quase Cinema (eu, Thais e William). E
essa necessidade foi se tornando cada vez maior. Tomou conta da proposta inicial e, o que era pra
ser um trabalho de narrativa com duas atrizes se transformou em um trabalho de teatro de sombras
com três atores, com a entrada de William, nosso cenotécnico e técnico de luz.
A partir daÃ, nos concentramos em desenvolver toda a parte técnica (luzes especÃficas, mesa de luz
compacta, mini refletores) e a parte conceitual (criação de bonecos a partir de material reciclável e
papelão) e deixei pra desenvolver o trabalho de ator depois. Vinte dias depois, apresentamos a
primeira cena (15 minutos), para o Rick e aà ele compreendeu a ideia principal defendida pela
proposta do Lili. Mas ainda havia muito a ser trabalhado. A trilha sonora original, composta de forma
poética e delicada pelo músico Fábio Damusi, foi preterida pelo fato de não termos conseguido a
qualidade técnica necessária (gravação profissional, músicos de estúdio, etc). Mas no meio do
processo chamamos nosso parceiro de percursos poéticos, Erik Fernandes e ele, junto com a Thais
foram os responsáveis pela estrutura dramatúrgica.
Com o passar das semanas, a parte técnica e de manipulação de sombras (parte de trás do tecido) e
de bonecos (parte da frente) se desenvolveu de forma rápida. Mas o trabalho de ator ficou deficiente
nesse percurso. Reconheço que tenho responsabilidade nisso, mas não ignoro também que o elenco
não é maduro o suficiente para transpor dificuldades e deficiências com rapidez e eficácia. Por isso,
Lili é um trabalho-em-processo. Porque, juntos, estamos aprendendo a resignificar o trabalho do ator
em contraponto aos signos (potentes) das sombras. E isso exige amadurecimento do grupo, criação
de técnicas diferenciadas para treinamento do ator, entendimento do jogo do ator com as sombras e
do ator manipulador com seu objeto de manipulação. E como tudo isso chega para o público. No
nosso caso, público infantil, que tem por si só outro ritmo, outra forma de entender o mundo, outro
entendimento de signos primordiais.
Posso dizer que Lili é nosso processo de emancipação. Apesar do grupo já ter sete anos, foi somente
este ano que passamos a trabalhar todos juntos, num mesmo projeto. Já mudamos a dramaturgia
(depois da excelente conversa com o dramaturgo Alexandre Dal Farra), já mudamos a parte técnica
(equipamentos melhores, lâmpadas mais duráveis e potentes) e o treinamento tem dado resultados
(ainda tÃmidos). E sabemos: ainda há um longo caminho pela frente.
E é isso que nos motiva a continuar.
Wallace Puosso, dezembro de 2014